Pesquisa da UFSC mostra que plástico PET intoxica microcrustáceo na base da cadeia alimentar.
Estudo foi realizado no Laboratório de Toxicologia Ambiental (Labtox). Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC
Um estudo conduzido no Laboratório de Toxicologia Ambiental (Labtox) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) revelou que o descarte inadequado de garrafas PET pode causar uma série de efeitos tóxicos em um pequeno crustáceo de água doce, a dáfnia. Por meio de testes em laboratório, os pesquisadores mostraram que a degradação do PET na água causa danos em células e mitocôndrias e afeta a reprodução, a alimentação e a locomoção desses animais, que estão na base da cadeia alimentar. Os resultados foram publicados na revista científica internacional Science of The Total Environment e fizeram parte da pesquisa de doutorado de Bianca Vicente Costa Oscar, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental.
“Pela literatura, a gente já sabe que os materiais plásticos, quando são liberados na água, sofrem fragmentação e liberam compostos químicos. Só que até que ponto essa fragmentação, cada vez em pedaços menores, interfere no organismo dos animais? E até que ponto esses compostos que o PET libera interferem também na vida do animal?”, questiona Bianca.
O animal escolhido para os testes foi a dáfnia (mais especificamente a espécie Daphnia magna), um microcrustáceo que pode chegar a cinco milímetros de comprimento. Elas vivem em água doce e se alimentam de partículas finas de matéria orgânica em suspensão, incluindo leveduras, bactérias e microalgas. Por outro lado, servem de alimento a peixes e diversos outros animais aquáticos. Então, qualquer impacto na população de dáfnias pode desequilibrar toda a cadeia alimentar.
“Por conta dessa importância ecológica, no mundo todo, em qualquer laboratório que trabalha com ecotoxicologia, a dáfnia é utilizada como um excelente modelo ecotoxicológico”, afirma o professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental William Gerson Matias, coordenador do Labtox e orientador de Bianca no doutorado.
![]() Microcrustáceo Daphnia magna pode |
Degradação e contaminação
Para simular o que acontece com plásticos PET jogados na água, os cientistas cortaram uma garrafa de refrigerante em vários pedaços, que foram colocados em um recipiente com água e expostos, por 24 horas, a uma lâmpada que simula a radiação solar. Os experimentos, que utilizaram também a estrutura multiusuários da UFSC, principalmente o Laboratório Central de Microscopia Eletrônica (LCME), comprovaram que, quando exposto ao sol, o PET libera uma série de compostos químicos na água, com destaque para o antimônio. Tóxico se ingerido ou inalado, o antimônio é um elemento químico amplamente utilizado nas garrafas PET – além de acelerar o processo de fabricação, ele também funciona como retardador de chamas.
![]() Imagens feitas em microscópio demonstram |
Um grupo de dáfnias foi mantido nessa água, cheia de antimônio e outros compostos liberados pela degradação do PET, por 21 dias. Isso permitiu que os cientistas constatassem uma série de efeitos tóxicos decorrentes da exposição crônica aos subprodutos do plástico.
Entre outros problemas, foram observados rompimento de membranas celulares e danos nas mitocôndrias – responsáveis pela respiração celular –, nos tecidos e nas estruturas responsáveis pela locomoção e pela alimentação. Os pesquisadores também notaram que elas nadavam menos e os batimentos cardíacos ficaram mais fracos, bem como mudanças nos movimentos torácicos, em parâmetros de estresse oxidativo e nos padrões de reprodução.
“Elas geraram uma quantidade muito menor de filhotes, e a primeira ninhada dessas dáfnias foi muito mais cedo. Então, as dáfnias que não estavam expostas a esse líquido da degradação geraram filhotes em 14, 15 dias. As dáfnias que foram expostas geraram em 6, 7 dias. E houve a diminuição da quantidade de filhotes também. Se antes demorava 14 dias, e na primeira ninhada a dáfnia soltava 10, 15 filhotes, ela começou a soltar 1, 2, 3, e muitos nem sobreviviam”, relata Bianca.
Efeitos na geração seguinte
Os cientistas também fizeram testes em filhotes dessas dáfnias. Expostos aos contaminantes durante o período embrionário, ao nascer, eles foram colocados em um recipiente com água limpa, livre das substâncias resultantes da degradação do PET. O objetivo era fazer um teste de recuperação, “para ver se esses organismos conseguiam se recuperar depois de tudo isso que as mães passaram, e que eles passaram também na forma embrionária”, explica a pesquisadora.
Apesar de efeitos tóxicos permanecerem na nova geração, foi possível perceber melhorias em alguns dos parâmetros analisados, o que indica um processo de recuperação. Os filhotes apresentaram melhora considerável na frequência cardíaca e na movimentação dos membros torácicos. Por outro lado, problemas reprodutivos e de locomoção se mantiveram, “demonstrando que os efeitos tóxicos do PET envelhecido atingiram gerações subsequentes de D. magna exposta e ameaçaram a manutenção desta espécie”, informa o resumo elaborado pelos cientistas.
“Na minha opinião, esse é um dos melhores papers [artigos científicos] desenvolvido dentro da nossa equipe. Um paper com resultados importantes, porque aborda um processo de degradação de um elemento tão utilizado pela gente, que é o PET. E esse produto de degradação influencia as vidas que têm contato com ele”, enfatiza o professor William.
Desde sua criação, em 1997, o Labtox desenvolve pesquisas com contaminantes emergentes – aqueles que não têm ainda uma regulação e que não costumam ser monitorados ou eliminados pelos processos tradicionais de tratamento de água. No início, o foco eram as toxinas marinhas que afetam a maricultura, mas os trabalhos foram se diversificando com o tempo.
Em 2010, tiveram início os estudos com nanopartículas metálicas, em cooperação com a Universidade do Quebec em Montreal (UQAM). “Isso nos possibilitou durante muitos anos colaborar com o processo de regulação dessas novas tecnologias”, afirma William.
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Atualmente, o grupo se dedica a estudar a toxicidade de contaminantes diversos, incluindo plásticos, medicamentos, agrotóxicos, protetor solar e drogas ilícitas. Procura entender, também, o que acontece quando esses diferentes contaminantes se misturam – afinal, nenhum deles está sozinho no ambiente. A ideia é que os estudos apoiem iniciativas de regulação e ajudem a estabelecer os limites seguros dessas substâncias.
As atividades devem ganhar força com a criação do Instituto Multidisciplinar de Apoio à Regulação de Contaminantes Emergentes (Imarce). Proposto pelo Labtox e aprovado pela Câmara de Pesquisa da UFSC em 2024, o instituto conta com o apoio da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) e da UQAM.
“Todas essas instituições fazem parte desse contexto para induzir um processo de regulação. Como é realizada a regulação? Ela é realizada com as pesquisas desenvolvidas pelos laboratórios do mundo, e, quando há necessidade, um grupo se reúne e pega o que está publicado para tentar estabelecer os limites confiáveis. O instituto está aqui para catalisar esse processo”, ressalta o professor.
Camila Raposo | camila.raposo@ufsc.br
Agência de Comunicação | UFSC
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